Multicedente e multisacado são expressões cada vez mais presentes no vocabulário de empresários, gestores financeiros e investidores que lidam com recebíveis e operações estruturadas de crédito. Em especial no mercado de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), essas classificações ajudam a entender de onde vêm os créditos que lastreiam as operações e quem são os devedores finais. Em termos simples, multicedente indica a existência de vários cedentes de direitos creditórios, enquanto multisacado indica a existência de vários devedores. Por trás dessa aparente simplicidade, porém, há implicações importantes de diversificação, risco de crédito, governança e compliance regulatório. Entender esse arcabouço é fundamental para empresas que cedem recebíveis, investidores que aplicam em fundos estruturados e profissionais que estruturam operações com base em duplicatas, boletos, contratos e outros direitos creditórios.
Conceitos fundamentais: direitos creditórios, cedente e sacado
Cessão de direitos creditórios
Antes de detalhar multicedente e multisacado, é essencial compreender o que são direitos creditórios e a cessão desses direitos. Direitos creditórios são créditos a receber originados de operações como vendas a prazo, prestações de serviços, financiamentos e contratos em geral. Quando uma empresa vende a prazo para um cliente, nasce um direito de receber aquele valor na data combinada. A cessão de direitos creditórios é o negócio jurídico por meio do qual o titular desse crédito transfere a terceiro o direito de receber os valores futuros. A Resolução CVM 175, que consolida as regras dos FIDCs, define cessão de direitos creditórios como a transferência, pelo cedente, de direitos para o fundo, mantendo inalterados os demais elementos da relação obrigacional, ou seja, a relação entre devedor e credor original é mantida em sua essência. Nesse contexto, o cedente é quem transfere o crédito, como uma empresa que cede suas duplicatas a um FIDC, e o sacado é o devedor, por exemplo o comprador que emitiu a duplicata ou o tomador do serviço. Em operações de antecipação de recebíveis, desconto de duplicatas ou securitização, a lógica é semelhante: a empresa transforma vendas a prazo em liquidez imediata, transferindo o direito de receber ao financiador ou ao fundo, que assume o risco de crédito conforme as condições contratadas.
O papel dos FIDCs
Os FIDCs são veículos de investimento que adquirem direitos creditórios de empresas e passam a ter esses recebíveis como lastro para as cotas emitidas aos investidores. A regulamentação da CVM exige regras claras sobre elegibilidade de créditos, critérios de concessão, concentração por sacado e controle de riscos. Dentro desse universo, a forma como a carteira é composta – se por créditos de um único cedente ou de vários cedentes, de um único sacado ou de diversos sacados – tem impacto direto em risco, retorno esperado e governança da estrutura.
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O que significa ser multicedente
Segundo o Manual para Cadastro de Fundos da ANBIMA, considera-se multicedente o fundo cuja carteira é formada por direitos creditórios cedidos por mais de uma entidade, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Em vez de uma única empresa originando todos os recebíveis, há diversos cedentes que transferem suas faturas, contratos ou duplicatas para o mesmo veículo. Na prática, isso significa que o FIDC ou a operação estruturada recebe créditos de uma base ampla de originadores, como uma rede de indústrias, comércios, prestadoras de serviços ou empresas de agronegócio. Dessa forma, o termo multicedente está ligado à diversificação da origem dos créditos. Em um FIDC multicedente, o risco não está concentrado no desempenho financeiro de uma única empresa cedente, mas diluído entre vários participantes. Materiais educacionais de casas especializadas em FIDC explicam que, em operações multicedentes, diferentes empresas vendem seus recebíveis para o fundo, o que aumenta a diversificação da carteira e reduz a dependência de um único originador. Essa diversificação, porém, exige um arcabouço robusto de análise de crédito, políticas bem definidas de elegibilidade e monitoramento constante, já que cada cedente possui práticas comerciais, políticas de concessão de crédito e perfis de clientes específicos.
O que significa ser multisacado
Do lado dos devedores, fala-se em multisacado quando os direitos creditórios que compõem a carteira são devidos por mais de uma pessoa física ou jurídica. Ainda de acordo com o Manual da ANBIMA, multisacado é a situação em que os créditos são devidos por múltiplos sacados, em contraste com a estrutura de sacado único, em que todos os créditos têm o mesmo devedor final. Em outras palavras, em uma operação multisacada, o fundo ou o financiador está exposto ao risco de inadimplência de vários devedores, e não apenas de um. Essa característica também está associada à diversificação de risco. Uma carteira multisacada está menos sujeita a um evento idiossincrático de crédito, como a quebra de um único grande sacado. Em vez disso, o desempenho do fundo dependerá do comportamento agregado de dezenas ou centenas de empresas e consumidores que compõem a base de sacados. Por outro lado, essa pulverização exige infraestrutura operacional e sistemas de cobrança mais complexos, além de regras claras de concentração por sacado, setor e região geográfica, para evitar que a carteira se torne, na prática, concentrada em alguns poucos devedores relevantes.
Combinações possíveis: monocedente, multicedente, monosacado e multisacado
No mercado de FIDCs, é comum classificar os fundos combinando as características dos cedentes e dos sacados. Materiais técnicos explicam que podem existir estruturas monocedente–monosacado, monocedente–multisacado, multicedente–monosacado e multicedente–multisacado. Na estrutura monocedente–multisacado, por exemplo, uma única empresa cede créditos decorrentes de vendas para diversos clientes. Já na multicedente–monosacado, vários cedentes vendem créditos de um mesmo sacado relevante, como um grande varejista ou indústria que concentra compras de múltiplos fornecedores. A estrutura multicedente–multisacado, foco deste texto, é aquela em que há múltiplos cedentes cedendo créditos de múltiplos sacados para o fundo ou para a operação de crédito. Essa configuração é frequente em fundos que buscam alta diversificação setorial e geográfica, com recebíveis oriundos de diferentes segmentos da economia, como comércio, indústria, serviços, agronegócio e até operações de exportação. Ela se tornou uma das mais comuns do mercado por combinar diversificação na origem dos créditos com pulverização dos devedores finais.
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Riscos e desafios dessas operações
Apesar dos benefícios, estruturas multicedente e multisacado trazem desafios relevantes. O primeiro deles é a complexidade na originação, análise e monitoramento da carteira. Quanto mais cedentes participam da operação, mais heterogêneos tendem a ser os critérios de concessão de crédito, as práticas comerciais, os padrões de documentação e os processos de cobrança. Isso exige do gestor e do consultor especializado uma capacidade robusta de due diligence, padronização de contratos, definição de critérios de elegibilidade e sistemas de acompanhamento de performance por cedente e por sacado. Outro desafio é o controle de concentração. Mesmo em uma estrutura formalmente multicedente–multisacado, pode haver concentração relevante em poucos players, seja do lado dos cedentes, seja do lado dos sacados. Por isso, regulamentos de FIDCs costumam estabelecer limites de exposição por sacado, grupo econômico ou setor, além de regras de substituição de créditos e de reforço de garantias.([Brave Asset][5]) Há ainda o risco operacional, decorrente da necessidade de integrar sistemas, registrar direitos creditórios em entidades registradoras, acompanhar eventos como prorrogações, renegociações e cancelamentos, tudo sob rígidos padrões de auditoria e supervisão.
Multicedente e multisacado são muito mais do que rótulos técnicos em regulamentos de FIDCs ou contratos de cessão de recebíveis. Essas classificações traduzem a forma como o risco de crédito é distribuído entre originadores e devedores e, consequentemente, influenciam diretamente a segurança, a rentabilidade e a eficiência das operações estruturadas no mercado brasileiro. Estruturas multicedente–multisacado, ao combinarem múltiplas fontes de créditos com múltiplos devedores, tendem a oferecer maior diversificação e melhor acesso ao financiamento para empresas de variados segmentos, ao mesmo tempo em que exigem governança robusta, critérios claros de elegibilidade e forte disciplina de gestão de riscos.
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