A trajetória recente da taxa Selic recolocou o tema juros no centro das decisões de investimento. Depois de um ciclo de alta iniciado em 2024, a taxa básica alcançou 15% ao ano em junho de 2025, patamar que se mantém e representa o nível mais elevado em quase duas décadas. ([blog nubank][1]) Esse ambiente de juros persistentemente altos não afeta apenas o crédito ao consumo ou o financiamento imobiliário. Ele reconfigura a forma como empresas acessam recursos, como investidores alocam capital e como o próprio mercado de capitais brasileiro se desenvolve em termos de volume, prazos e perfil de risco das operações. Entender o impacto da Selic alta no mercado de capitais significa olhar para os canais de transmissão da política monetária e para as mudanças no custo de capital, no valuation das empresas e na preferência dos investidores por determinados ativos.
O que é a Selic e por que ela importa tanto para o mercado de capitais
O Banco Central define a Selic como a taxa básica de juros da economia, referência para as demais taxas cobradas em empréstimos, financiamentos e usada como parâmetro para o retorno de diversas aplicações financeiras. Na prática, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) eleva a Selic, o crédito tende a ficar mais caro, o consumo e o investimento são desestimulados e a inflação é contida, enquanto um movimento de queda da taxa tende a baratear o custo do dinheiro e estimular atividade econômica. Para o mercado de capitais, a Selic funciona como o piso de remuneração livre de risco em reais. Todo investimento de mais longo prazo precisa oferecer um retorno esperado superior a esse piso para compensar o investidor pelo risco adicional. Portanto, quanto mais alta a Selic, maior o retorno exigido em ações, debêntures, fundos imobiliários e outros instrumentos, o que altera preços, prazos e volume de emissões.
Impactos na renda fixa: boom de emissões e custo do capital de terceiros
A Selic alta tem efeitos ambíguos sobre o mercado de renda fixa no âmbito do mercado de capitais. Por um lado, eleva o custo de oportunidade das emissões, sobretudo para empresas com maior risco de crédito, que precisam pagar prêmios mais robustos para conseguir captar. Relatórios da ANBIMA mostram que juros historicamente altos, somados ao risco de crédito, aumentam o custo das emissões de títulos privados de longo prazo, o que por muito tempo restringiu esse mercado antes de mudanças regulatórias importantes. Por outro lado, o ambiente atual tem sido marcado por volumes recordes de emissões de renda fixa.
Dados recentes da ANBIMA apontam que, até setembro de 2025, as ofertas de renda fixa no mercado de capitais somaram cerca de R$ 487 bilhões, com destaque para debêntures, debêntures incentivadas e outros instrumentos de crédito privado. Isso indica que, embora mais caro, o mercado de capitais segue fundamental para financiar empresas, principalmente em um cenário em que o crédito bancário também encarece e sofre maior seletividade.
Para investidores, essa combinação de volume elevado de emissões e juros altos cria uma janela de oportunidades em títulos corporativos, com spreads interessantes sobre a taxa básica. Entretanto, o prêmio maior não é gratuito. Em um ambiente de desaceleração econômica e incertezas fiscais, o risco de crédito se torna mais relevante. Essa dinâmica exige análises mais rigorosas de balanços, geração de caixa e garantias para diferenciar boas oportunidades de emissões excessivamente arriscadas.
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IPO, follow-ons e apetite ao risco no mercado primário
No mercado primário de ações, a Selic elevada tende a reduzir o número de ofertas iniciais, especialmente de empresas em estágio de crescimento que ainda não geram caixa robusto ou previsível. Em um ambiente em que o investidor consegue retornos elevados na renda fixa com risco relativamente menor, a disposição para assumir o risco de uma empresa que ainda está provando seu modelo de negócios diminui. Na prática, janelas de IPO ficam mais estreitas e concentradas em companhias com histórico consolidado e alto grau de governança. O mesmo vale para operações de follow-on, que acabam sendo mais bem sucedidas quando oferecem desconto relevante em relação ao preço de tela ou quando estão vinculadas a teses de desalavancagem e fortalecimento de balanço. A consequência é um mercado de capitais menos dinâmico na renda variável, com menor renovação de empresas listadas e um hiato entre o universo de companhias que poderiam se financiar via Bolsa e aquelas que efetivamente acessam esse canal. Em contrapartida, estruturas híbridas e operações privadas, como rodadas de private equity e vendas estratégicas, podem ganhar espaço na agenda de financiamento corporativo.
Crédito privado, FIDCs e o papel do mercado de capitais no financiamento à economia real
A Selic alta também reorganiza o espaço do crédito privado e dos fundos de investimento em direitos creditórios. Como o custo do dinheiro aumenta no sistema bancário e nas linhas tradicionais, empresas passam a usar o mercado de capitais para securitizar recebíveis, emitir debêntures e acessar investidores institucionais em busca de funding mais competitivo. Estudos de associações do setor mostram que, mesmo em cenários de juros elevados, a expansão do mercado de capitais contribui de maneira relevante para o financiamento de infraestrutura, energia e saneamento, especialmente por meio de debêntures incentivadas e instrumentos estruturados. Para o investidor, FIDCs, CRIs, CRAs e fundos de crédito passam a oferecer spreads interessantes, mas também embutem riscos de inadimplência maiores em um ambiente de atividade moderada e endividamento elevado de famílias e empresas. Mais uma vez, a Selic alta não elimina oportunidades, mas exige análise criteriosa de garantias, originação, pulverização de carteiras e alinhamento de interesses entre cedentes, gestores e cotistas.
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Selic alta, câmbio e investidor estrangeiro
Outro aspecto relevante é a relação entre Selic elevada, câmbio e fluxo de capital estrangeiro. Taxas de juros altas podem atrair o chamado capital de portfólio de curto prazo, interessado em carregar títulos em moeda local com retorno elevado. Porém, incertezas fiscais e riscos de inflação ainda pressionada podem limitar esse movimento, já que o investidor global avalia o retorno real em comparação a outros mercados e o risco cambial associado. Relatórios de mercado apontam que, para 2025 e 2026, as expectativas de inflação no Brasil permanecem acima da meta, o que ajuda a explicar a necessidade de juros em patamar elevado por mais tempo. Para o mercado acionário, o comportamento do investidor estrangeiro torna-se mais seletivo, favorecendo empresas com governança robusta, liquidez elevada e exposição a receitas em moeda forte. A volatilidade do câmbio adiciona uma camada de risco que pode amplificar ganhos ou perdas, mas a Selic alta, por si só, não garante fluxo contínuo de capitais se o quadro macroeconômico e institucional não inspirar confiança.
O impacto da Selic alta no mercado de capitais brasileiro é profundo e multifacetado. Ele se manifesta no custo de capital das empresas, na precificação de ações e títulos, no volume e no perfil das emissões, no comportamento do investidor local e estrangeiro e no próprio ritmo de desenvolvimento econômico. Em vez de enxergar juros elevados apenas como obstáculo, emissores e investidores sofisticados tendem a tratá-los como elemento central de uma estratégia de longo prazo. Isso significa repensar estruturas de capital, aprimorar governança, reforçar transparência e desenvolver instrumentos que permitam compartilhar riscos de maneira mais eficiente. Em última instância, a maturidade do mercado de capitais será medida pela capacidade de atravessar ciclos de Selic alta e baixa mantendo sua função essencial de conectar poupança e investimento, com ganhos duradouros para empresas, investidores e para a economia como um todo.
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